10 setembro, 2008

A LUA QUE NÃO DEI...


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Compreendo pais - e me encanto com eles - que desejariam dar o mundo de presente aos filhos.
E, no entanto, abomino os que, a cada fim de semana, dão tudo o que os filhos lhes pedem nos shoppings onde exercitam arremedos de paternidade.
E não há paradoxo nisso.
Dar o mundo é sentir-se um pouco como Deus, que é essa a condição de um pai.
Dar futilidades como barganha de amor é, penso eu, renunciar ao sagrado.
Volto a narrar, por me parecer apropriado à croniqueta, o que me aconteceu ao ser pai pela primeira vez.
Lá se vão, pois, 49 anos.
Deslumbrado de paixão, eu olhava o menino no berço, via-o sugando os seios da mãe, esperneando na banheira, dormindo como anjo de carne.
E, então, eu me prometia, prometendo-lhe:
"Dar-lhe-ei o mundo, meu amor."
E não o dei.
E foi o que me salvou do egoísmo, da tola pretensão e da estupidez de confundir valores materiais com morais e espirituais.
Não dei o mundo ào meu filho, mas ele quis a Lua.
E não me esqueço de como ele pediu, a Lua, há anos já tão distantes.
Eu a carregava nos braços, pequenino e apenas balbuciante, andando na calçada de nosso quarteirão, em tempos mais amenos, quando as pessoas conversavam às portas das casas.
Com ele junto ao peito, sentia-me o mais feliz homem do mundo, andando, cantarolando cantigas de ninar em plena calçada.
Pois é a plenitude da felicidade um homem jovem poder carregar um filho como se acariciando as próprias entranhas.
Meu filho era eu e eu era ele.
Um pai é, sim, um pequeno deus, o criador.
E seu filho, a criatura bem amada.
E foi, então, que conheci a impotência e os limites humanos.
Pois 0 filhinh0 - a quem eu prometera o mundo - ergueu os bracinhos para o alto e começou a quase gritar, maravilhado, deslumbrado: "Dá, dá, dá..." .
Ela descobrira a Lua e a queria para si, como ursinho de pelúcia, uma luminosa bola de brincar.
Diante da magia do céu enfeitado de estrelas e de luar, meu filho me pediu a Lua e eu não lhe pude dar.
A certeza de meus limites permitiu, porém, criar um pacto entre pai e filho:
Se ele quisesse o impossível, fosse em busca dele.
Eu lhes dera a vida, asas de voar, diretrizes, crença no amor e, portanto, estímulo aos grandes sonhos.
E o sonho do primogênito começou a acontecer, num simbolismo que, ainda hoje, me amolece o coração.
Pois, ainda adolescente, lá se foi ele embora, querendo estudar no exterior.
Vi-o embarcar, a alma sangrando-me de saudade, a voz profética de Kalil Gibran em sussurros de consolo:
"Vossos filhos não são vossos filhos, mas são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma".
Eles vêm através de vós, mas não de nós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
"Foi o que vivi, quando o avião decolou, minha criança a bordo".
No céu, havia uma Lua enorme, imensa.
A certeza da separação foi dilacerante.
Meu filho fôra buscar a Lua que eu não lhe dera.
E eu precisava conviver com a coerência do que transmitira aos filhos:
"O lar não é o lugar de se ficar, mas para onde voltar."
Que os filhos sejam preparados para irem-se, com a certeza de ter para onde voltar quando o cansaço, a derrota ou o desânimo inevitáveis lhes machucarem a alma.
Ao ver o avião, como num filme de Spielberg, sombrear a Lua, levando-me o filho querido, o salgado das lágrimas se transformou em doçura de conforto com Kalil Gibran: como pai, não dando o mundo nem Lua aos filhos, me senti arqueiro e arco, arremessando a flecha viva em direção ao mistério.
Ora, mesmo sendo avós, temos, sim e ainda, filhos a criar, pois família é uma tribo em construção permanente.
Pais envelhecem, filhos crescem, dão-nos netos e isso é a construção, o centro do mundo onde a obra da criação se renova sem nunca completar-se.
De guerreiros que foram, pais se tornam pajés.
E mães, curandeiras de alma e de corpo.
É quando a tribo se fortalece com conselheiros, sábios que conhecem os mistérios da grande arquitetura familiar, com régua, esquadro, compasso e fio de prumo.
E com palmatória moral para ensinar o óbvio: se o dever premia, o erro cobra. Escrevo, pois, de angústias, acho que angústias de pajé, de índio velho.
A nossa construção está ruindo, pois feita em areia movediça.
É minúsculo o mundo que pais querem dar aos filhos: o dos shoppings.
E não há mais crianças e adolescentes desejando a Lua como brinquedo ou como conquista.
Sem sonhos, os tetos são baixos e o infinito pode ser comprado em lojas.
Sem sonhos, não há necessidade de arqueiros arremessando flechas vivas.
Na construção familiar, temos erguido paredes.
Mas, dentro delas, haverá gente de verdade?

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